O simples, o complexo e a heurística

12-02-2023

"Complicar, conduz invariavelmente à multiplicação em cadeia de efeitos imprevistos e a consequências inesperadas, seguidas por desculpas sobre o aspecto "inesperado" das consequências, e por uma nova intervenção para corrigir os efeitos secundários, o que resulta na ramificação explosiva de uma série de reacções "inesperadas", cada uma pior que a anterior." NNT

Talvez já tenha passado por uma experiência semelhante à que acabámos de descrever.

O problema é que é difícil de compreender (e de explicar) que um procedimento simples é na grande maioria dos casos muito melhor em todos os aspectos do que um procedimento complicado. Em parte porque vai contra a mentalidade instituída na sociedade de que complexidade, sofisticação, modernidade e ou "tecnologicamente avançado" significam que um procedimento com estas características é muito melhor, o que não corresponde de todo à realidade.

Apesar de toda a tecnologia que é usada actualmente na Medicina Dentária, e amplamente publicitada, os materiais, as metodologias, os processos de pensamento e as filosofias de trabalho pouco variaram nos últimos 100 anos. Usamos cerâmica nas coroas e facetas, tal como Charles Land usava em 1903. Usamos compósito (plástico) no tratamento de cáries (reconstruções), que substituiu a amálgama (chumbo preto) há 40 anos. Usamos titânio nos implantes desde 1965. A zirconia substituiu o metal nos últimos 20 anos. E pouco mais aconteceu de verdadeiramente disruptivo na medicina dentária do século XXI, apesar de se querer vender a ideia contrária.

Além dos materiais, também as técnicas pouco variaram no último século. Os melhores trabalhos estéticos em cerâmica (facetas e coroas) são ainda feitos manualmente por um Técnico de Prótese Dentária, com parco recurso à tecnologia, apenas com a ajuda de um pincel. Na clínica, a grande mudança no paradigma do rigor e da qualidade de trabalho ocorreu com a introdução do uso da ampliação(lupas e microscópio), cuja descoberta remonta a 708 a.C. Apesar de toda a maquinaria com aspecto tecnológico sofisticado, os procedimentos clínicos são ainda - e continuarão a ser - trabalhos manuais executados por um Médico Dentista, com recurso a materiais relativamente antigos e testados pelo tempo. O que é um bom sinal.

A tecnologia veio no entanto ajudar na evolução positiva do aspecto visual, da estética e do conforto de uma clínica dentária, que hoje já não é um local austero e arrepiante.
Veio também ajudar, com a tecnologia CAD-CAM e impressão 3D, no design, engenharia e produção de próteses (coroas, pontes, etc.) mais precisas e a um custo mais baixo, pois elimina parcialmente da equação o factor humano, no tempo, no custo e no erro. 

Por último, mas não menos importante, a tecnologia veio também ajudar o clínico no planeamento de cirurgias e de tratamentos complexos, podendo hoje com a ajuda de software realizar o estudo e a preparação de um caso que há 10 anos atrás seria impensável.

Mas a tecnologia é apenas mais uma ferramenta, ou um instrumento, ao serviço do clínico. Não substitui a necessidade de rigor, a experiência, o conhecimento e os valores.